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Para não ficar de fora do jogo coorporativo empresarial e também por força dos pactos internacionais dos quais é signatário, o Brasil se vê cada vez mais obrigado a lançar medidas voltadas ao combate à corrupção.
São inúmeras as medidas adotadas, e a maioria delas surge como um verdadeiro rompimento do direito penal tradicional, criminalizando condutas que antecipam a proteção do objeto jurídico a ser tutelado com o escopo de diminuir o risco de dano aos mesmos.
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Como exemplo dessa prática incomum, podemos citar, das mais antigas para as mais recentes, a Lei de Colarinho Branco (Lei 7.492/86), Lei dos Crimes Tributários e contra a Ordem Econômica (Lei 8.137/90), Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) e Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), que recentemente sofreu fortes alterações da Lei 12.683/2012.
De uma breve análise dos dispositivos legais acima, percebe-se que parte deles configura crime pelo mero descumprimento de dever legal (verdadeiros “crimes de obrigação”), utilizando-se na maioria das vezes de tipos de perigo abstrato, o que revela nítido uso indevido do direito penal para tratar de matérias que poderiam simplesmente configurar infração administrativa.
E quem sofre com isso? O empresariado que é constantemente alvo das mais variadas espécies de criminalização de condutas, o que acaba por trazer cada vez mais embaraços ao exercício profissional.
Nesse aspecto, não são incomuns os casos de empresários que são responsabilizados pela simples ocupação de um cargo de direção ou por constar no contrato social da empresa, ainda que não tenham tido no caso concreto qualquer contato com as condutas a ser açambarcadas pelos tipos penais.
Como se vê, utilizando-se da política criminal de proteção ao risco social, o legislador volta suas atenções de forma desenfreada para o setor empresarial, e se não bastasse à criminalização de condutas das pessoas físicas de forma indiscriminada, recentemente deu vida a intitulada “Lei Anticorrupção” (Lei 12.846/13), que entrou em vigor no dia 29/1/14 e que tem como alvo principal as empresas envolvidas em atos de corrupção contra a administração pública.
Referida lei inovou totalmente o regime de responsabilidade vigente e, apesar de ser taxada de lei civil, disciplina que qualquer empresa que venha a se envolver na prática de atos de corrupção (ex: fraude a licitação e oferecimento de vantagens indevidas a funcionários públicos), pode ser responsabilizada de forma objetiva pelo ato, independente de comprovação de culpa ou dolo.
Ou seja, basta o envolvimento de quaisquer dos seus inúmeros funcionários ou terceiros que prestem serviço a empresa (ex: o despachante que é contratado para retirar certidões em órgão públicos e oferece propina a servidor) para gerar a responsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica, independente se a empresa tinha ou não ciência do ato (responsabilidade objetiva).
A edição desta nova lei acabou por praticamente obrigar o setor empresarial nacional a utilizar dos programas de compliance que em outras palavras nada mais é do que uma espécie de programa a ser implementado pela própria empresa com o escopo de assegurar o cumprimento de determinadas normas internas (ex: código de conduta).
Mas para que serve o instituto do criminal compliance?
Em síntese, tem a finalidade de controle, proteção e prevenção de possíveis práticas criminosas nas empresas, constituindo-se em um importante mecanismo de transferência de responsabilidade penal nos crimes econômicos, além de evitar a responsabilidade penal objetiva da pessoa jurídica prevista pela nova lei anticorrupção.
O desiderato do instituto, portanto, é claro, pois, utilizando-se de uma cadeia de controles internos (compliance officers), tem o objetivo de identificar os principais focos (locais vulneráveis da empresa, que possuem contato com a administração pública, onde podem haver incidências de infrações penais) e utilizar-se da prevenção partindo do pressuposto da investigação interna contra seus próprios funcionários, terceiros que prestam serviço a empresa, diretores e etc.
Para as empresas não resta outra alternativa: ou estabelece os programas de compliance ou pode ser responsabilizada objetivamente (independente de dolo ou culpa) por atos lesivos a administração pública praticados por terceiros que representam seu interesse.
Já para a administração pública, esta empurra na calda do setor empresarial mais uma responsabilidade, pois ao estabelecer a obrigatoriedade do programa de compliance, na prática, a administração pública reconhece a sua ineficiência no combate a corrupção e passa a iniciativa privada a obrigação da persecução penal que sempre foi do poder público.
Valber Melo é advogado, professor de direito penal e processual penal; especialista em ciências criminais, direito penal, processual penal e direito público; conselheiro pela OAB/MT; e membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal.