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Mantra da OAB: dignidade, trabalho e estudo no cárcere!

Data: 04/11/2014 17:00

Autor: Waldir Caldas Rodrigues

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Aceitamos o desafio da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário Brasileiro, instituída no início deste ano pelo Conselho Federal, para fazer análise e falar do Sistema Carcerário na região Centro Oeste, exceto do MS, na recente XXII CONFERÊNCIA NACIONAL DA ADVOCACIA, realizada no Rio de Janeiro, no período de 20 a 24 de outubro, próximo passado.
 
A fonte de pesquisa foi o INFOPEN, site de Estatística do Ministério da Justiça, atualizado até DEZ/2012. Destacamos que houve significativa modificação dos dados do Estado de Mato Grosso após DEZ/2012, especialmente quanto à quantidade de presos (reduziu) e oferta de labor e estudo no cárcere (aumentou). 
 
Analisando os dados disponibilizados, chegamos à identificação do perfil do preso e da população carcerária no Centro Oeste, que não é muito diferente nas outras regiões do país: é homem (somente 6,84% são mulheres); Jovem (52,29% têm até 29 anos); com reduzida escolaridade (59,29% não concluiu o Ensino Fundamental); cometeu crimes prevalentes de tráfico (42,28%) e contra o patrimônio (38,30%); 19,17% trabalham no cárcere e 8,28% nele estudam.
 
Desta análise, dentre outras, concluímos que quanto maior a escolaridade, menor a criminalidade. À medida que a idade aumenta, diminui a criminalidade. Também aqui a educação, ou a falta dela, é a raiz do problema, associada à imaturidade. Estas conclusões remetem-nos, inevitavelmente, para a adoção de procedimentos que melhorem a escolaridade e disponibilidade de trabalho no cárcere, melhorando os índices de recuperação, de ressocialização, de resgate da cidadania. É incontroverso que a redução dos índices de reingresso e reincidência se obtém com tratamento digno ao preso e à sua família/visitantes, além de ampliação da oferta de trabalho e estudo no cárcere. Estes dados devem orientar toda política de ações públicas no sistema carcerário. Eis, então, as razões da obsessão da OAB, do nosso mantra, quanto ao tratamento digno ao preso e seus visitantes e aumento da oferta de vagas de trabalho e estudo. 
 
Existe um oásis de eficácia na ressocialização no Estado, sendo impossível não se destacar uma Unidade Prisional de Cuiabá (o CRC, antigo Carumbé), onde 90% (noventa por cento) dos reeducandos estudam, trabalham, ou estudam e trabalham. 
 
As consequências disso? – Inacreditáveis 95% (noventa e cinco por cento) de ressocialização, de recuperação da cidadania. 
 
Vale dizer que no CRC, do outro lado da gangorra, temos tão somente de 4 à 7% (quatro a sete por cento) de reingresso e reincidência.  Marca espetacular! Esta deve ser a meta, o resultado a ser conquistado pela Administração Penitenciária e profissionais que trabalham no Sistema Carcerário (Diretores e Agentes Penitenciários). É possível, assim o demonstram o Wincler (Diretor do CRC) e sua equipe. 
 
Diante disso, o cidadão deve questionar: O que tenho com isso? Isso não muda nada na minha vida! “Bandido bom é bandido morto”! 
 
- Grande engano – digo. Quer ver? 
 
Afirma-se que o índice médio nacional de reingresso e reincidência é de 70% (setenta por cento). De cada 100 (cem) presos postos em liberdade 70 (setenta) praticarão novamente crimes e voltarão para o cárcere. Este resultado é muito ruim, pífio. Nós, sociedade, não podemos mais aceitá-lo. Com o montante de dinheiro do erário que se utiliza na Administração Penitenciária, recebermos como contraprestação a certeza de que 7 (sete) de cada grupo 10 (dez) presos porventura postos em liberdade retornarão ao cárcere porque cometerão novos crimes é inadmissível. Como se vê, o custo social decorrente da ineficácia na recuperação do preso é insuportável. 
 
De outro lado, se considerarmos o aspecto meramente financeiro, focando no custo do preso, vejam a enorme economia que a redução da reincidência e reingresso nos traz. Computando 25 (vinte e cinco) componentes, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos MT atualizou o custo mensal de cada preso, chegando ao valor de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), admitindo-se ínfima variação. 
 
Fixando a quantidade de 100 (cem) presos porventura postos em liberdade (para fins de cálculos), com o índice de reingresso de 70% (setenta por cento) temos a certeza de que serão gastos, em razão dessa reincidência, o valor total obtido multiplicando-se a quantidade de presos (70) pelo custo de cada preso (2.700 reais) por pelo período de um ano (12 meses), com os símbolos matemáticos, 70 x 2700 x 12 = R$ 2.268.000,00 (dois milhões duzentos e sessenta e oito mil reais). Este é o custo para o erário do reingresso e reincidência de 70% (setenta por cento). Se o reingresso e reincidência é de 5% (cinco por cento), como ocorre no CRC (antigo Carumbé), nesta Capital, a conta é 5 x 2700 x 12= R$ 162.000,00 (cento e sessenta e dois mil reais). O custo para o erário é assustadoramente menor.  
 
Vale dizer, num grupo de 100 presos porventura postos em liberdade, se o índice de reingresso e reincidência for a média nacional (70%) a sociedade que paga impostos e constitui o erário terá custo anual de 2 milhões 268 mil reais, enquanto o custo será de 162 mil reais, se o reingresso e reincidência for de 5% (cinco por cento). Concluindo, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado, juntamente com a Diretoria e Agentes Penitenciários do CRC, num grupo de 100 presos porventura postos em liberdade, proporcionam para o erário público, para os cofres do Estado, a economia anual de 2,106 milhões de reais, em razão da redução do índice de reingresso e reincidência. Este montante economizado pode ser utilizado em outros setores essenciais do próprio sistema, como no melhoramento das condições de trabalho dos Agentes Penitenciários, aquisição de Body Scanner (aparelho de raio-x como aqueles dos aeroportos) e detectores portáteis de metal para as revistas mecânicas, abolindo as famigeradas revistas vexatórias, dentre outros.  Enfim, economiza-se para os cofres públicos R$ 32.400,00 (trinta e dois mil e quatrocentos reais) por ano, por cada preso que recuperarmos, dando-lhe as condições (tratamento digno, trabalho e estudo) para que não retorne ao cárcere quando deixá-lo.
 
É este o desafio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos que, reconhecemos, tem feito elogiável esforço pela ressocialização e obtido resultados acima da média nacional: obter nas outras Unidades Prisionais do Estado – e para isso exige-se o comprometimento da Diretoria da Unidade e dos seus Agentes Penitenciários – resultados iguais ou próximos  dos alcançados no CRC.   
 
A sociedade precisa despertar para esta realidade. São incontestáveis o prejuízo social e financeiro atuais aqui demonstrados. Não podemos mais conviver com 70% de reingresso e reincidência. Diante disso, exige-se do cidadão que produz, força ativa de trabalho que compõe o erário público, nova postura e posicionamento, evoluindo do refrão “bandido bom é bandido morto” para “bandido bom é bandido recuperado”. 
 
Exige-se também, da Administração Penitenciária, Diretores e Agentes Penitenciários, resultados melhores na contraprestação que fazem à sociedade. BAAAAASTA. Cada Diretoria e Agente Penitenciário de Unidade Prisional que ainda tem aqueles índices escorchantes (70%) de reingresso e reincidência deve se envergonhar desse resultado. Deve saber que exigimos URGENTE modificação desse parâmetro. Como já disse, o CRC e outras poucas Unidades Prisionais são exemplos de que é possível a consecução desse objetivo. 
 
Enfatizamos, o Agente Penitenciário é muito mais importante e sua atribuição mais nobre do que grande parte desta categoria profissional ainda pensa.  Na verdade, Ele é Agente de Ressocialização, de reingresso do preso na cidadania. O Agente Penitenciário é o elo mais importante da corrente da ressocialização. Sem o seu comprometimento com o tratamento digno aos presos e visitas e com os Programas de labor e estudo disponibilizados nas unidades prisionais, nada se faz. Exige-se, para tanto, mudança de paradigmas. 
 
O Agente Penitenciário que precisamos e que o meio social exige, deve ser incondicionalmente comprometido com a dignidade do preso e das suas visitas, como determinam a Constituição Federal e os Tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário. Devem a Direção e os Agentes Penitenciários das Unidades Prisionais respeitar e cumprir rigorosamente os horários pré-estabelecidos nos programas de trabalho e estudo dos reeducandos, conduzindo-os para os locais dessas atividades. E não precisa descuidar da inafastável segurança para assim proceder. É possível praticar todos os procedimentos previstos e necessários à segurança respeitando-se incondicionalmente a dignidade do preso e das visitas, uma coisa não exclui a outra. 
 
Nessa pesquisa constatamos, também, a superlotação de nossas Cadeias e Penitenciárias (40,26%). Faltavam em DEZ/2012 18.158 vagas no Centro Oeste. O percentual de presos provisórios é altíssimo, em MT eram 52,92% dos homens e 62,95% das mulheres. É inaceitável esta situação, pois são prisões sem condenação, fruto de equivocada política de superencarceramento. Muitos ainda pensam que a cadeia é o lenitivo para todos os males, mas não é, como demonstrado. A adoção de medidas cautelares existentes e disponibilizadas no Código de Processo Penal, diversas da Prisão e a ela alternativas, ora subutilizadas, é muito mais eficaz e constitui o mais importante fator de redução desse superencarceramento, de elevadíssimo custo social e financeiro para a sociedade brasileira.
 
Sabendo parecer paradoxal, acredita e recomenda a OAB a redução do sistema carcerário. Não estamos falando de inconseqüente ou irresponsável apologia da impunidade, ao contrário, afirmamos o estrito cumprimento e eficácia das decisões judiciais e dos procedimentos administrativos exigidos no sistema carcerário. Entretanto, exigimos que sejam praticados respeitando-se a dignidade da pessoa presa e das suas visitas.
 
Por tudo isso a OAB tem esse mantra para o sistema carcerário: tratamento com dignidade ao preso e suas visitas, ampliação da oferta de vagas para estudo e trabalho no cárcere. Nossa meta, nosso sonho, é a CELA VAZIA, ou seja, no horário comercial nenhum preso ficará na cela, pois estará envolvido em alguma atividade de labor ou estudo.
 
Como já disse Martin Luther King, “I have a dream...” (eu tenho um sonho...).
 
Sim, é possível... E, por isso, continuaremos trabalhando, somando esforços.
 
 
Waldir Caldas Rodrigues, advogado criminalista, professor, membro da COASC – Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário Brasileiro e Presidente da Comissão de Direito Carcerário da OAB/MT. 
 
      
 
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