Em 17 de Abril do corrente ano foi publicada no Diário Oficial da União a Emenda Constitucional nº 87/2015, que alterou as normas jurídicas regulamentadoras do ICMS nas operações mercantis destinadas ao consumidor final, em que o remetente e o destinatário encontram-se em diferentes estados da Federação.
A mencionada Emenda Constitucional alterou o artigo 155, §2º, incisos VII da Carta Magna, que anteriormente previa:
(i) A incidência da alíquota interestadual quando o destinatário fosse contribuinte do ICMS;
(ii) A incidência única da alíquota interna quando o destinatário não fosse contribuinte do ICMS.
O inciso VIII do mencionado dispositivo determinava que nas operações interestaduais entre contribuintes de ICMS, caberia ao estado do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a sua alíquota interna e a alíquota interestadual (diferencial de alíquota).
No entanto, as regras aplicáveis às operações entre comerciante e não contribuinte sempre foram as mais questionadas, pois nessa situação, o imposto era devido somente ao estado de origem, que recebia o valor correspondente à sua alíquota interna, nada restando ao estado de destino.
Pois bem, os questionamentos ganharam força especialmente após o considerável aumento das vendas realizadas em lojas virtuais e vendas via telefone. O crescimento dessas operações se justifica pelos melhores preços ofertados e pela facilidade na aquisição dos produtos.
É evidente que no tempo da promulgação da Constituição da República de 1988, não vivíamos essa realidade, pois o acesso à internet inexistia e as vendas por meio de centrais telefônicas eram raras.
No entanto, o constituinte ciente que a realidade social vive em constante evolução, trouxe a possibilidade de alteração das normas constitucionais, sempre em absoluto respeito às cláusulas pétreas.
Assim, a EC n. 87/2015 vem, sobretudo, adequar as normas jurídicas às necessidades atuais, equilibrando a arrecadação entre os estados onde estão localizadas a maioria das fábricas e distribuidoras de mercadorias, e os estados onde está localizada uma fatia significativa de consumidores.
Esse é um pleito antigo dos estados localizados nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, no Distrito Federal e no estado do Espírito Santo.
A nova redação do artigo 155, §2º, inciso VII da Constituição Federal, determina que independentemente de ser o destinatário da mercadoria, contribuinte ou não do ICMS, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao estado de destino, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna desse estado e a alíquota interestadual (diferencial de alíquota).
Além disso, o novel inciso VIII atribui a responsabilidade pelo recolhimento do diferencial de alíquota ao destinatário quando este também for contribuinte do ICMS (alínea “a”), e imputa a responsabilidade ao remetente quando o destinatário não for contribuinte do imposto (alínea “b”).
Exemplificando:
1. Caso a empresa “Vendas online”, localizada no Estado de São Paulo realize operação mercantil com a empresa denominada “Bom preço” (contribuinte de ICMS), com sede em Mato Grosso, caberá ao Estado de São Paulo o ICMS apurado através da alíquota interestadual (7%), e ao Estado de Mato Grosso caberá a diferença entre a alíquota interestadual e alíquota interna (obs.: usaremos a alíquota interna de 17% para esse exemplo). Assim, o estado destinatário fará jus ao diferencial de alíquota de 10% sobre o valor total da venda, que seria recolhido pela empresa “Bom preço” aos cofres Públicos.
2. Por outro lado, caso a mesma operação tivesse como destinatário o consumidor final não contribuinte denominado “João da Silva”, as alíquotas incidentes sobre a operação seriam as mesmas, mas por força da nova redação do inciso VIII a obrigação pelo recolhimento do diferencial de alíquota seria da empresa “Vendas online”, pois o destinatário não seria contribuinte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS.
O artigo 2º da EC. nº 87/2015 acrescentou também o artigo 99 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinando que o diferencial de alíquota será gradativamente repassado aos Estados de destino da mercadoria, a começar no ano de 2015, vejamos:
“Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:
I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.”
O escalonamento no repasse da arrecadação na forma estabelecida aos estados de destino é medida prudente, tendo em vista que com a nova sistemática de tributação, os estados de origem sofrerão uma queda em sua arrecadação nas operações dessa natureza e necessitam se adequar gradativamente à nova realidade.
Por fim, o legislador editou o artigo 3º, em respeito aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, consagrados pelo artigo 150, III, “b” e “c”, CF, respectivamente, determinando que a EC produzirá efeitos no ano subsequente ao presente exercício financeiro, e após decorrido 90 dias de sua publicação.
Nota-se que a referida Emenda Constitucional criou uma antinomia ao determinar em seu artigo 2º, I, que a partir de 2015 o fruto da arrecadação de ICMS será destinado 20% (vinte por cento) para o estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o estado de origem, e em seu artigo 3º prever que os efeitos serão produzidos somente no ano subsequente ao da publicação.
Essa controvérsia deverá ser dirimida pelos Tribunais Pátrios, de modo a aplicar uma interpretação conforme a Constituição, prestigiando o princípio da anterioridade anual, projetando o término do escalonamento para 2020, e não 2019 como foi estabelecido.
Apesar da antinomia referida, devemos exaltar a virtude da norma editada e minimizar o equívoco.
Assim, pensamos ser a alteração Constitucional salutar para a manutenção do Pacto Federativo, distribuindo uniformemente o produto da arrecadação entre os estados de origem e de destino nas vendas direcionadas aos consumidores finais, corrigindo um desequilíbrio arrecadatório que era patente.
Vitor de Oliveira Tavares é advogado especializado em Direito Tributário, e integra a banca de advogados do escritório Tavares, Cardi e Varão Advogados Associados.