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Práticas abusivas no contexto do direito à meia-entrada para consumidores

Data: 06/05/2016 16:00

Autor: Carolina Galvão Peres

    Muito tem se falado a respeito dos consumidores que possuem direito à Meia Entrada para eventos culturais, esportivos e de lazer. Muitas vezes é noticiada ou presenciada conduta espúria, reprovável, abusiva, que é a de dificultar o acesso de estudantes à chamada meia-entrada em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer. Outro embaraço ao exercício de tal direito é a exigência de documentos adicionais à carteirinha (como comprovante de matrícula, de frequência, etc), ou ainda a não aceitação da carteirinha emitida por determinada entidade, o que configura claro desrespeito à regulamentação aplicável.     

    Como se não bastasse, muitas vezes, quando há algum preço promocional, o valor da meia-entrada não é calculado sobre o mesmo (e note-se que os diplomas normativos infra citados referem-se expressamente ao valor “efetivamente cobrado”), e sim sobre o preço não-promocional, o que vem a corroborar com a conclusão de que não é do interesse destas empresas respeitar a classe estudantil, mas sim obter lucro a qualquer preço (com o intuito de burlar o direito à meia-entrada), às margens da lei e da Justiça, mesmo que seja às custas de um segmento eminentemente hipossuficiente.

    Com o advento da Constituição Federal de 1988, a defesa do consumidor é consagrada como direito fundamental, o que se constata da leitura do artigo 5º, inciso XXXII. Contudo, tem-se que o fundamento da proteção ao consumidor e da garantia à meia entrada não está somente na Constituição Federal, mas também no microssistema consumerista. Nessa toada, juntamente com o CDC, existem Leis estaduais e municipais em cada localidade do país dispondo sobre a garantia e regulamentação da meia-entrada.

    O Decreto nº 8.537 regulamenta a Lei da Meia-Entrada em eventos artísticos, culturais e esportivos no Brasil. Aprovada em 2013, a lei assegura o benefício da meia-entrada em 40% do total de ingressos disponibilizados ao público em geral para jovens de baixa renda, estudantes e pessoas com deficiência. Começou a vigorar em 01.12.15, sendo que a nova legislação federal vai prevalecer sobre outras leis estaduais e municipais especificamente para essas três categorias de público. Para os demais beneficiados - como, por exemplo, idosos, professores, doadores de sangue, etc - como não mencionados na nova legislação, valerão as leis estaduais e municipais vigentes.

    Conforme a nova regulamentação, o valor da meia-entrada, que deve estar disponível para todas as categorias (inclusive camarotes, área vip, prime, etc), equivale à metade do preço do ingresso cobrado para a venda ao público em geral.    

    A nova legislação também estabelece que os ingressos deverão ser reservados aos beneficiários da meia-entrada a partir do início das vendas até quarenta e oito horas antes de cada evento, com disponibilidade em todos os pontos de comercialização, sejam físicos ou virtuais.

    No caso da cidade de Cuiabá, esse direito é proporcionado e protegido pela Lei Federal nº 12.933 de 26 de Dezembro de 2013; Lei Estadual nº 7.621, de 09 de janeiro de 2002, Lei n.º 4.518, de 30 de dezembro de 2003 (alterada pela lei n° 5.275/09 de 18/12/09) que dispõe sobre a instituição da meia entrada para professores da rede pública de ensino em estabelecimentos que promovam lazer e entretenimento e estimulem a difusão cultural, no âmbito Municipal a Lei nº 4.743, de 26 de março de 1996, lei Municipal nº 4.169 de 27 de dezembro de 2001 que dispõe sobre isenção de pagamento em casas de espetáculos culturais, cinemas, esportes em geral, no município de Cuiabá, às pessoas com mais de 65 anos de idade, e a Lei nº 5497, de 06 de dezembro de 2011, que institui meia-entrada para radialista e jornalista em estabelecimentos que proporcionam lazer, cultura e entretenimento no município de Cuiabá.

    É importante demonstrar mudanças cruciais que a Lei Federal nº 12.933 de 26 de dezembro de 2013 busca trazer, que muitas vezes são mais benéficas em relação ao fornecedor. Veem-se essas mudanças, por exemplo, da dicção do artigo 1°, § 10 que especifica uma quantia limite de 40% do total de ingressos disponíveis para a disponibilização de meia-entrada aos estudantes. Tal limitação além de extremamente desvantajosa aos consumidores não é especificada em nenhuma outra Lei. A referida determinação do percentual traz ao menos um ônus ao fornecedor, que é o dever de prestar informações, o que está amparado pelo princípio da informação consagrado no microssistema de defesa consumerista. É o que se observa do artigo 2° da Lei Federal nº 12.933/2013, que enuncia que o cumprimento do percentual acima mencionado será aferido por meio de um instrumento que ofereça ao público as informações atualizadas em relação a quantia de ingressos ainda disponíveis. Devendo, ainda, as produtoras disponibilizarem o número total de ingressos disponíveis aos usuários da meia-entrada, em todos os pontos de venda de ingressos, de forma visível e clara (artigo 2º, § 1º, inciso I); informando também quando do esgotamento de ingressos (artigo 2º, § 1º, inciso I); além de disponibilizarem um relatório de vendas de ingressos de cada evento à Associação Nacional de Pós-Graduandos, à União Nacional dos Estudantes, à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, a entidades estudantis estaduais e municipais filiadas àquelas e ao Poder Público, interessados em consultar o cumprimento do disposto no §10 do artigo 1°(artigo 2º, §2º).    

    Ademais, também como corolário do princípio da informação, os estabelecimentos mencionados na Lei deverão afixar cartazes, em locais visíveis da bilheteria e da portaria, de que constem as condições estabelecidas para o gozo da meia-entrada, com os telefones dos órgãos de fiscalização.

PRÁTICAS ABUSIVAS NO CONTEXTO DO DIREITO À MEIA-ENTRADA ESTUDANTIL

    Apesar da proteção que o microssistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor tenta propiciar aos seus beneficiados, o que se verifica constantemente é a ocorrência de práticas abusivas por parte dos fornecedores, consistindo em atos em desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. Na prática, tem sido negligenciado por parte das autoridades, e dos próprios destinatários da Lei, o cumprimento da legislação concernente à meia-entrada estudantil. Serão citadas apenas algumas que estão em maior evidência e recorrência.

    • Meia-entrada ou desconto proporcional para camarotes e área VIP -  Prática recorrente no âmbito do entretenimento no Brasil é a organização de espaços VIP ou camarotes em eventos dos mais variados. Tal prática é acompanhada de uma diferenciação notória nos valores pagos para o acesso a tais espaços especificamente. Tal diferença se justifica pelo fato de realmente serem disponibilizados serviços especiais e únicos, que não estão presentes em todos os ambientes do evento. Porém, por muitas vezes, chega-se a uma diferença ilógica ou exacerbada, não permitindo a compra de ingressos para tal setor no formato da meia-entrada. De acordo com as Leis Estadual e Municipal, como visto, deve ser dado um desconto de 50% em cima do valor efetivamente cobrado pela entrada. Portanto, deveria tal benefício ser estendido aos espaços VIP? Entende-se que sim. Mesmo com os serviços diferenciados se afigura plenamente viável a venda da meia-entrada, mantendo-se um valor adicional pelas vantagens percebidas nestes ambientes. Dessa forma, para que se mantenha o direito resguardado aos beneficiários da Lei da meia-entrada, deve-se descontar 50% do que seria o equivalente a entrada para área normal, somando-se o correspondente aos serviços prestados no camarote ou área VIP. Exemplificando, se o valor inteiro do setor normal custa R$ 50,00 e a área VIP R$ 100,00, pressupõe-se que o serviço adicional cobrado é de R$ 50,00. Dessa forma, deveria ser dado um desconto de 50% no valor referente à entrada normal, adicionando-se a este os R$ 50,00 do serviço, somando uma quantia total de R$ 75,00 que deveria ser desembolsada para a compra da meia-entrada para a área VIP. Sendo R$ 25,00 referentes à metade do valor cobrado pela entra mais R$ 50,00 do serviço adicional, legitimamente cobrado. Observa-se então, que devem sim ser aplicadas as disposições da meia-entrada aos setores diferenciados de eventos. Seja pelo serviço cobrado ou por vantagens possibilitadas.

    • Desconto ilegal de menos de 50% - Deve-se observar ainda a prática abusiva perpetrada pelos fornecedores de realizarem venda de ingressos de meia-entrada com um valor diferente dos 50% a menos em referencia ao valor efetivamente cobrado. Como já evidenciado, as Leis Estadual e Municipal preveem aos seus beneficiários a redução equivalente a 50% do valor do ingresso ou entrada em espetáculos artísticos, circos, ou de natureza cultural que se realize em casa de espetáculos no Estado de Mato Grosso e município de Cuiabá. Portanto, a prática recorrente de determinados fornecedores em estipularem livremente os valores referentes a meia-entrada e a inteira, sendo estes desconexos com a realidade jurídica, não deve ser tolerada, tendo em vista ampla e concreta legislação contrária a tal ocorrência.

    • Estipulação de preço geral - Além das já mencionadas, prática abusivamente recorrente no meio de entretenimento e cultura é a estipulação de um preço fixo de ingresso, seja ele para portadores ou não do direito à meia-entrada, aliada a informação incorreta e ilegal de que o valor cobrado corresponde ao da meia-entrada, sendo este geral para todos. Deve-se afirma veementemente de que não existe preço geral para entradas em eventos do mesmo estilo dos descritos pormenorizadamente nos dispositivos das Leis já tratadas. Se o ingresso é efetivamente cobrado a um valor, por obrigação legal deve haver ingressos a venda pela metade deste para os portadores do direito à meia-entrada. Não há que se falar em preço geral, ou preço de meia-entrada garantido a todos.

    Comparando as Leis que regem o assunto em âmbito Municipal, Estadual e Federal, evidencia-se a configuração da relação consumerista em cada uma, demonstrando que as disposições nesse sentido em muito se assemelham, além do que as leis trazem ao mesmo tempo benefícios e malefícios aos protegidos. Constatou-se que inúmeras são as práticas abusivas que se encontram no contexto da aquisição de ingressos por estudantes. Dessa forma, independentemente das disposições existentes e da ampla proteção que elas buscam, bem como das amplas possibilidades protetivas que o microssistema consumerista proporciona, tais práticas continuam a ocorrer, fato que se deve principalmente à falta de fiscalização e interesse não só dos órgãos responsáveis, mas principalmente pelo público consumidor.

 

CAROLINA GALVÃO PERES – professora e advogada, doutoranda em Direito Privado e especialista em Direito do Consumidor, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MT.

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