Muito se fala das diversas nuances apresentadas pelo Código de Processo Civil de 2015 no que se refere à atuação das partes e do juiz como elementos de um processo comparticipativo e colaborativo. O modelo constitucional do processo , enunciado no artigo inaugural do código e reiterado nas normas seguintes, expressa o desejo do legislador no alinhamento invariável da lei processual com a Constituição Federal .
No que tange aos deveres do juiz, o capítulo que trata das normas fundamentais do processo civil enumera padrões de comportamento que deverão ser necessariamente observados pelo magistrado na condução do processo. A promoção dos métodos de solução consensual de conflitos, a boa-fé objetiva, a cooperação, o zelo pelo efetivo contraditório e o dever de fundamentação das decisões judiciais são algumas das pilastras principiológicas do novo sistema.
Dentre os axiomas constantemente abordados pela doutrina, o “princípio da cooperação” se revela como uma das figuras mais inteligíveis do CPC/2015 e encontra-se textualizado no artigo 6º, o qual afirma que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Percebe-se que, ao utilizar o termo “todos os sujeitos do processo”, o legislador promove o juiz de gerenciador do feito e mero fiscal de regras à condição de agente colaborador , sujeito imprescindível para o alcance de uma decisão justa e efetiva, da mesma forma como faz no artigo precedente (art. 5º) quando disciplina: “aquele que de qualquer forma participa do processo”.
Do conceito de colaboração desdobram-se os deveres anexos de esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio, os quais permeiam toda a atividade jurisdicional e são incansavelmente rememorados por processualistas de todo o país, não sem razão, considerando a resistência de grande parte dos juízes em prestigiar a sistemática do “modelo processual cooperativo” .
O dever de esclarecimento está ligado a ideia de que o juiz deve sempre buscar explicações quando estiver diante de dúvidas referentes às manifestações, pedidos e/ou condutas praticadas pelas partes. É de extrema relevância que o julgador solicite esclarecimentos nesses casos, pois além de arrecadar maiores subsídios para decidir, prevenirá o juízo de eventuais equívocos e nulidades processuais. Pode ser compreendido também como uma espécie de “embargos de declaração às avessas” . Um exemplo clássico é quando o juiz solicita informações complementares em relação a algum documento acostado aos autos.
Cabe ao juiz, igualmente, consultar a parte sobre determinada questão antes de se pronunciar a respeito, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Este dever de consulta decorre do princípio da vedação de decisão surpresa, cravejado no art. 10 do CPC/2015 . Ocorre, por exemplo, quando a parte é intimada para se manifestar acerca de aparente prescrição. Ouvir a parte nesta situação é crucial, pois será o momento oportuno para trazer ao conhecimento do magistrado a ocorrência de hipótese suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional.
É dever do juízo, ainda, advertir as partes quanto às incorreções decorrentes da prática dos atos processuais, como forma de sanar vícios e deficiências e alcançar a tutela do direito material. O dever de prevenção traduz de maneira fiel o primado pelo julgamento do mérito e pode ser observada na decisão que determina a emenda da petição inicial e também no despacho que permite a correção de vício recursal ou complementação de documento exigível por lei (art. 932, parágrafo único do CPC/2015 ).
Outro aspecto do princípio da cooperação reside no dever de “auxiliar as partes na superação das eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais” . O dever de auxílio está intimamente ligado ao dever de prevenção, pois refere-se à indicação clara do vício a ser corrigido pela parte naquele momento processual. As duas figuras são perceptíveis nas seguintes situações, dentre várias outras: a) quando o juiz intima a parte para emendar a inicial e indica com precisão o que deve ser corrigido ou completado (art. 321 ); b) quando determina a comprovação dos pressupostos para concessão da gratuidade da justiça e indica o documento hábil a demonstrar a insuficiência de recursos, p. ex. CTPS, declaração de imposto de renda, etc.
Daí, a compreensão que se extrai é que não deve haver apenas aproximação, mas a cooperação entre juiz e partes e ampla participação destas últimas ao longo de toda a jornada processual . Se trata, em essência, da operacionalização do próprio contraditório. Nas palavras do eminente professor Cassio Scarpinella Bueno, “contraditório deve ser entendido como possibilidade de participação e colaboração ou cooperação ampla de todos os sujeitos processuais ao longo de todo o processo” .
A tarefa do juiz na direção material do processo é focalizar os poderes que lhes foram outorgados pelo legislador à concretização do dever de prestar, em tempo razoável, a solução justa e efetiva da lide, sem descurar das demais garantias processuais. Remetendo mais uma vez aos ensinamentos do professor Scarpinella Bueno, é preciso compreender que o dito “poder” do juiz não existe (e nem deve existir) de maneira isolada. Deve ser visto como “(...) meio diretamente proporcional e exato para atingimento do dever” . Na processualística civil atual isso ficou bem mais claro, especialmente com o advento do contraditório substancial – e decorrente vedação de decisão surpresa - e o dever de fundamentação analítica da decisão judicial, nos moldes do art. 489, § 1º, do CPC.
Há diversos dispositivos que tratam do poder de gestão material e formal do processo estrategicamente espalhados no código, dentre os quais, o artigo 191 (permite a elaboração de um calendário processual entre juiz e partes); artigo 322, § 2º (permite ao juiz interpretar o pedido conforme o conjunto da postulação, observando o princípio da boa-fé); artigo 352 (permite ao juiz determinar a correção das alegações do réu); artigo 373, § 1º (permite ao juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso); e artigo 370 (permite ao juiz de ofício determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito).
Entretanto, os deveres-poderes e responsabilidades do juiz - mais específicos - estão previstos no art. 139 do CPC, sendo que as novidades merecedoras de atenção referem-se a incumbência de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (inciso IV), de “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito” (inciso VI), de “exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais” (inciso VII) e de “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais” (inciso IX).
Particularmente, o que mais agrada nesse rol é a reafirmação do princípio da primazia do julgamento de mérito, constante no inciso IX, um sopapo contundente na jurisprudência defensiva. A interpretação que se extrai da norma, digna de aplausos e elogios, é que prevalecerá a busca pela solução integral do mérito, ou seja, os vícios de caráter meramente formal não impedirão o prosseguimento do processo, devendo o juiz criar condições que proporcionem a sua correção, sempre que possível. Nos dizeres de Alexandre Freitas Câmara, “tem-se, aí, a previsão de um poder capaz de viabilizar o cumprimento do dever que tem o juiz de cooperar com as partes para a sanação de vícios processuais que pudessem ser obstáculos à resolução do mérito ou à consecução da atividade satisfativa do direito” .
Mas, em se tratando de poderes do juiz, a discussão que impera na doutrina e é tema recorrente nos congressos que discutem o novo código, gira em torno da previsão do poder de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Havia algo parecido no CPC/73, mais precisamente no §5º do art. 461, o qual permitia ao magistrado se valer das medidas necessárias (meios atípicos) para assegurar o cumprimento das obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa, ora repisadas no art. 536, caput e §1º do CPC/2015 .
A boa nova é que agora é expressamente permitida a utilização dos meios executivos atípicos para garantir também o cumprimento de decisões judiciais que imponham obrigações pecuniárias, a conhecida obrigação de pagar quantia certa. De maneira elucidativa, Alexandre Câmara concebeu alguns exemplos interessantes: “pense-se em uma pessoa jurídica que, não tendo cumprido decisão judicial que reconheceu uma obrigação pecuniária, seja proibida de participar de licitações até que a dívida esteja quitada. Ou no caso de alguém que, tendo sido condenado a pagar uma indenização por danos resultantes de um acidente de trânsito, seja proibido de conduzir veículos automotores até que pague sua dívida” .
Dentro de um turbilhão de vozes favoráveis e contrárias às medidas executivas atípicas, é alto o grito de que são elas subsidiárias e excepcionais. Ao que parece, as vias atípicas devem ser precedidas do esgotamento dos meios típicos e ordinários, observando-se a possibilidade concreta de cumprimento da obrigação. Evita-se, assim, constrangimento desnecessário decorrente da aplicação de medidas indutivas/coercitivas que não surtirão os efeitos desejados.
A dita cláusula geral de efetivação da tutela não pode ser vista como uma “carta branca para o arbítrio”, fruto de voluntarismos e criatividade intransigente dos juizes . Há limites na atuação do juiz enquanto condutor do processo e a grande maioria deles decorrem do próprio sentido contido nas normas principiológicas do diploma processual, que expressam, em verdade - e tautologicamente -, garantias constitucionalmente asseguradas.
É preciso agir com prudência e sopeso para que o processo não se transforme em uma arena de arbitrariedades hermenêuticas e restrição de direitos fundamentais, afinal os hospitais são construídos para os doentes, não para os médicos, certo?
A sapiência do Tio Ben quando orientou Peter Parker acerca de suas responsabilidades, pode ser perfeitamente utilizada para descrever a intenção do legislador ao ampliar sobremaneira os poderes do juiz no novo CPC, como se quisesse dizer: “neste código, dou-lhes grandes poderes, mas também imponho-lhes grandes responsabilidades”. Essas obrigações não estão ligadas somente aos deveres expressamente dispostos em capítulo específico, mas primordialmente à observância dos preceitos fundamentais que norteiam todo o sistema processual civil, dentre eles a dignidade da pessoa humana, a razoabilidade e a proporcionalidade (art. 8º, CPC).
Ante as considerações acima, é possível afirmar que o CPC/2015 ampliou os “poderes” do juiz, conferindo-lhe maior autonomia na direção do processo, com possibilidade, inclusive, de adotar medidas executivas atípicas para assegurar o cumprimento da decisão judicial, ao passo em que, proporcionalmente, disciplinou os deveres e limites a serem observados pelos magistrados e alavancou garantias instrumentais suficientes para a harmonização, desenvolvimento e alcance da finalidade do processo, que é a efetiva e adequada prestação da tutela jurisdicional.
Referências Bibliográficas
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*Thomas Ubirajara Caldas de Arruda é advogado licenciado, atual assessor jurídico na Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso e membro da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da OAB/MT.