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Gaeco prende policial em válido flagrante esperado e legítimo encontro fortuito de provas

Data: 06/05/2011 00:00

Autor: Júlio Medeiros

  Após a ocorrência de um latrocínio que chocou a sociedade pela frieza e premeditação dos autores, mais um caso de notória repercussão na região metropolitana de Cuiabá/MT: a prisão de um policial civil acusado do crime de concussão (vulgo extorsão praticada pelo funcionário público) e tráfico de drogas; polícia prendendo polícia com flagrante esperado e encontro eventual de provas.

  Segundo o Grupo de Ação Especial contra o Crime Organizado (GAECO), o policial procurou uma pessoa que estava com a prisão preventiva decretada por tráfico de drogas e pediu R$ 10 mil para que ela não fosse presa. A traficante, então, procurou o Gaeco - órgão ligado ao Ministério Público Estadual (MPE) – que, por sua vez, esperou a consumação do crime de concussão para dar o flagrante, haja vista que segundo o “parquet” era necessário uma prova para dar materialidade ao delito. 
 
  Assim, logo após ter recebido indevidamente a quantia prometida pela traficante, foi efetuada a prisão do policial civil em clara configuração da hipótese prevista no art.302, inciso II, do Código de Processo Penal, flagrante próprio.
 
  A primeira análise a ser feita é que o crime de concussão (art.316 do Código Penal) independe de a exigência ser “justa”, isto é, um criminoso pode tranquilamente ser sujeito passivo do delito, o essencial aqui é a inequívoca intenção do autor de obter vantagem indevida aproveitando-se do cargo público. 
 
  Em suma, ao agente público não se permite colher vantagens em virtude do exercício de suas atividades, pois é serviçal do interesse público. A lei concede-lhe remuneração ou subsídio, conforme o caso, para fazer atuar, concretamente, a lei. Desse modo, mesmo para a prática de ato administrativo lícito, não se pode exigir do administrado qualquer vantagem ou acréscimo pessoal.
 
  Sob outro enfoque, a concussão é um crime formal (isto é, de consumação antecipada) e sendo assim a sua consumação independe da obtenção da vantagem - que seria mero exaurimento do crime, basta que o funcionário público tenha exigido do particular indevidamente. 
 
  Pois bem, configurado o crime, resta destacar a atuação dos policiais na prisão do policial em nítido e válido flagrante esperado. Processualmente, não há que se confundir flagrante forjado com esperado, em que a polícia tão-somente espera a prática da infração, sem que haja instigação e tampouco a preparação do ato, mas apenas o exercício de vigilância na conduta do agente criminoso. Na situação aventada, o GAECO inclusive retardou o cumprimento de um mandado de prisão em aberto para efetuar um flagrante da suposta concussão.
 
  Não houve, no caso, o chamado flagrante provocado (ou “preparado”), o qual é inadmitido pelo Supremo Tribunal Federal sendo aplicável na hipótese a Súmula 145 do STF, que dispõe: “não há crime quando a preparação do flagrante pela autoridade policial torna impossível a sua consumação”. Inclusive, o entendimento jurisprudencial predominante é de que este verbete também se aplica no caso de o flagrante ter sido preparado pelo particular, ocorrendo no caso um crime putativo (imaginário) por obra do agente provocador.
 
  Outro ponto interessante é que o desiderato inicial do Gaeco era a realização do flagrante pelo crime de concussão sendo que, todavia, foram encontrados 14,5 quilos de maconha na viatura utilizada pelo policial, configurando-se, por conseguinte, o tráfico de drogas com consumação em virtude do núcleo do tipo “trazer consigo” (art.33, § 1º, inciso I, da Lei 11.343/2006), em verdadeiro “encontro fortuito de provas” com admissibilidade questionada no ordenamento jurídico brasileiro. Sobre tal situação, aliás, frisou o Procurador de Justiça Paulo Prado: “Para nós foi uma surpresa encontrar entorpecente dentro de um carro público, pois investigávamos somente o caso de concussão contra uma pessoa que nos procurou”.
 
  Nesse ínterim, insta assinalar que o advogado criminalista deve sempre estar atento para as circunstâncias do eventual encontro da substância entorpecente (ou prova da materialidade de outro crime) no interior do automóvel, certificando-se de que essa prova não foi plotada por terceiros. Ora, se houver flagrante forjado ou fabricado - no qual a policia ou particulares "criam" falsas provas de um crime inexistente -, as implicações serão: a) imediatas, com o relaxamento da prisão e soltura do acusado e; b) mediatas: com a declaração da ilicitude da prova colhida e seu consequente desentranhamento dos autos bem como tipificação dos crimes de denunciação caluniosa (particular) ou abuso de autoridade (policial) para quem implantou a prova.
 
  Destaque-se, por oportuno, que o “habeas corpus” é meio hábil para a declaração da ilicitude da prova pelo Judiciário bem como para sua ulterior retirada dos autos. Destarte, a concessão da ordem seria de enorme valia para o acusado, pois “o que não está nos autos não está no mundo”. 
 
  Na realidade, é perfeitamente admissível o encontro fortuito ou eventual de provas referentes a crime diverso do investigado quando há conexão entre eles e são de responsabilidade do mesmo sujeito passivo, assim como ocorreu no caso “sub judice”. Esta, aliás, é a posição do Supremo Tribunal Federal com fundamento em doutrina alemã.
 
  Ademais, o delito de tráfico de entorpecente consuma-se com a prática de qualquer uma das dezoito ações identificadas no núcleo do tipo, todas de natureza permanente que, quando preexistentes à atuação policial, legitimam a prisão em flagrante, sem que se possa cogitar em flagrante forjado ou preparado.
 
  Por fim, agora o MPE estuda benefícios a traficante que denunciou o policial, isso com fulcro no art.41 da Lei de Tóxicos. Apenas para ilustrar, foi a Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) quem abriu o caminho para a introdução da delação premiada no ordenamento pátrio, sendo prevista por diversas leis, tais como: Lei do Crime Organizado e Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro, havendo ainda a tipificação “sui generis” para o crime de extorsão mediante sequestro por força do art.159, § 4º, do Código Penal.
 
* Júlio Medeiros é advogado criminalista e membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT
 
Contato: juliodemedeiros@hotmail.com
Página pessoal: www.criminalistanato.blogspot.com
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