A 1ª Câmara de Direito Criminal do TJ/SP, na análise de HC impetrado pela OAB (seccional de Suzano/SP), deferiu a ordem para trancamento de investigação realizada por promotor de Justiça contra advogado, oriunda de representação criminal da 3ª Promotoria de Justiça da comarca de Suzano. A 1ª câmara determinou, também, o encaminhamento do instrumento da representação ao delegado de polícia, para que conduza o inquérito policial.
O pedido de HC buscava o trancamento da investigação criminal realizada pelo MP, sob a alegação de ausência de atribuição constitucional para tanto. Para o desembargador Figueiredo Gonçalves, relator, "a investigação é meio para possível desenvolvimento da pretensão de punir, em ação penal pública." Assim, uma vez oferecida a denúncia, há a possibilidade de se por em risco a liberdade de deambulação do paciente. "Destarte, é inegável que uma investigação sem justa causa por inquérito policial ou outro instrumento que a realize é sempre ameaça, ainda remota, de violência à liberdade de locomoção do investigado", pondera o relator.
Segundo o HC, em 2010, o advogado J. F. R. foi destituído de uma causa pelo então magistrado da 1ª vara Criminal da comarca de Suzano, sob a alegação de ter abandonado o recinto onde seria realizada audiência de instrução, debates e julgamento. Para o magistrado, houve perda de todo o trabalho para o deslocamento e escolta do réu que estava custodiado, bem como o comparecimento frustrado dos PM”s e testemunhas. O magistrado, então, ofereceu representação criminal contra o advogado, para apuração da ocorrência de eventuais crimes tipificados no CP. A representação fundamentou a investigação criminal conduzida pelo promotor de Justiça.
O advogado destituído da causa apresentou representação junto ao órgão de classe, sob afirmativa de que o juiz violara prerrogativas profissionais do defensor, além de protocolizar petição onde apresentou atestado de nutricionista, de que teria uma consulta no dia da audiência.
Para o relator, não há a possibilidade de prosseguimento da investigação do MP quando não se verifica a excepcionalidade dos fatos que a motivam, como nos autos. "Não deve cada gabinete de promotor de Justiça ser substituto ordinário de delegacias de polícia", afirmou. "Também não há conveniência em se erigir promotores ou procuradores de Justiça em superpoliciais."
No caso dos autos, o desembargador entendeu que não há justo motivo para a investigação do MP quando "o juiz representou por eventual ofensa do advogado contra sua honra, ou por suspeita de crime de falsidade ideológica, sendo investigado pessoa que não teria, ao menos em tese, condição de interferir na colheita de provas, ou motivar omissão do condutor do inquérito".
Figueiredo Gonçalves destacou, também, que o HC impetrado não foi além do trancamento da investigação do MP, não se atacando a possibilidade de que ela se realizasse pela via ordinária do inquérito policial. Assim, além do trancamento da investigação, o desembargador determinou que o instrumento da representação fosse encaminhado ao delegado de polícia para que conduza o inquérito policial.
Leia abaixo a decisão na íntegra :
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2011.0000065512
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 0042966-95.2011.8.26.0000, da Comarca de Suzano, em que é impetrante ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SUBSEÇÃO DE SUZANO e Paciente J. F. R. sendo impetrado PROMOTOR DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SUZANO.
ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deferiram a ordem para trancamento da investigação realizada pelo promotor de justiça, oriunda da representação criminal 148/10 da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Suzano, devendo ser, unicamente o instrumento daquela representação, encaminhado ao delegado de polícia, para que este conduza o inquérito policial. V.U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MARCO NAHUM (Presidente sem voto), MÁRIO DEVIENNE FERRAZ E PÉRICLES PIZA.
São Paulo, 23 de maio de 2011.
FIGUEIREDO GONÇALVES
RELATOR
Voto nº 22.612
Habeas Corpus nº 0042966-95.2011
Órgão Julgador: 1ª Câmara da Seção Criminal
Comarca de SUZANO
1ª Vara Criminal Processo nº 656/2010
Impetrantes: VAGNER DA COSTA e JOÃO ROBERTO CAROBENI
Paciente: J. F. R.
Os impetrantes, na representação da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Suzano, ajuizaram este pedido de habeas corpus, aduzindo constrangimento ilegal por parte do Ilmo. Promotor de Justiça daquela Comarca que, em face de representaçãooferecida pelo juiz de direito da 1ª Vara Criminal, instaurou procedimento investigatório contra o advogado, ora paciente.
Insurgem-se contra as investigações criminais realizadas pelo Ministério Público, haja vista que esta tarefa não consta de seu rol deatribuições, consistindo em verdadeiro constrangimento ilegal.
Aduzem que a investigação para tal fim cabe à Polícia Civil e qualquer desvio é verdadeira inconstitucionalidade, como ocorre no presente caso. Requerem a concessão da ordem, reconhecendo-se a inconstitucionalidade daquele procedimento investigatório,decretando-se a extinção da representação criminal nº 148/10, que tramita perante a 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Suzano.
Deferido processamento por este relator (fl. 21), prestou informações o digno impetrado, sustentando incompetência desta Câmara para apreciação do pedido, posto inexistir prevenção nascida da apelação já distribuída, relativamente aos autos do processo-crime onde o paciente atuou como defensor (fls. 24-155). No mérito, defendeu a constitucionalidade das investigações.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento do pedido, com extinção sem conhecimento do mérito e, ao final, pela denegação da ordem (fls. 157- 169).
É o relatório.
Reconhece-se, incidentalmente, a competência desta 1ª Câmara da Seção Criminal desta Corte, para conhecimento e decisão sobre o pedido.
Nas informações prestadas, o digno promotor de justiça argumentou que o fato aqui discutido não é conexo com a ação penal onde é réu outra pessoa, até então defendida pelo ora paciente. A representação do magistrado decorreu da imputação feita pelo advogado em peça dirigida ao órgão de classe na qual este último atribuiu ao primeiro abuso de autoridade, o que poderia configurar crime contra a honra. Ainda, porque o ora paciente fizera juntar, ao processo, documento sobre o qual paira suspeita de ser ideologicamente falso, motivando o pedido de providências feito pelo juízo. Assim, não havendo relação com a pretensão punitiva deduzida contra o réu no processo, não haveria como se aplicar o artigo 102 do Regimento Interno deste Egg. Tribunal.
Entretanto, ofertada apelação contra a sentença naquele processo, é inegável que a este órgão colegiado, ao qual foi distribuído anteriormente o recurso, interessa conhecer do incidente ocorrido em audiência, visto que este pode influir na eventual decisão sobre a normalidade do procedimento penal.
Ademais disso, conforme bem salientou a Douta Procuradoria Geral de Justiça, existe conexão fática e probatória entre as causas,recomendando que sejam decididas pela mesma Câmara.
Embora o pedido de habeas corpus busque o trancamento da investigação criminal que se realiza pelo Ministério Público, alegando-se ausência de atribuição constitucional para tanto, é certo que o fato originário deste writ foi, ainda remotamente, a ação penal e, portanto, há conexão instrumental entre aquela e este. Conquanto, nos limites do pedido, se possa decidir o habeas corpus sem que se tenha de lançar mão da prova colhida no processocrime, este procedimento derivou daquele. Assim, reconhecendo o artigo 102 do Regimento Interno a competência da Câmara ou Grupo que primeiro conhecer da causa, tornando-a preventa para os recursos e feitos originários conexos derivados do mesmo “ato, fato, contrato ou relação jurídica”, é de se entender que este órgão colegiado deve conhecer deste habeas corpus, posto originário de ato emanado daquele processo.
Assim, não há incompetência desta Câmara, preventa para a distribuição que se realizou. Conhece-se, ainda, da impetração, embora aDouta Procuradoria Geral de Justiça argumente em sentido diverso.
Sustenta que mero instrumento de investigação, manejado pelo Ministério Público, não caracteriza coação ilegal ou põe em risco odireito de locomoção do ora paciente.
O habeas-corpus tem cabimento: “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”1
Simples instauração de procedimento investigatório pelo promotor de justiça, não traria esse risco. O investigante, nesse caso, não éinvestido de poder jurisdicional, não podendo decretar prisão.
Portanto, se não foi oferecida denúncia e inexiste ação penal, da simples investigação não haveria possibilidade de constrangimentoilegal à liberdade de ir e vir do ora paciente, não cabendo a impetração de habeas corpus para trancá-la.
Contudo, a investigação é meio para possível desenvolvimento da pretensão de punir, em ação penal pública.
Portanto, nesta, uma vez oferecida a denúncia, haverá, eventualmente, possibilidade de se por em risco a liberdade de deambulação do paciente, mormente porque o delito imputado prevê pena privativa de liberdade. Destarte, é inegável que uma investigação sem justa causa por inquérito policial ou outro instrumento que a realize é sempre ameaça, ainda remota, de violência à liberdade de locomoção do investigado.
Desse modo, não pode o juízo a quem caiba o conhecimento da impetração, decidir, de pronto, pela ausência do interesse de agir do impetrante, por se cuidar de habeas corpus para trancar mera investigação criminal. Deve examinar o mérito do pedido, indeferindo-o quando existir fundamento razoável para o procedimento investigatório, ou trancá-lo desde logo, se ausente a justa causa.
Em face desses motivos, conhece-se do pedido.
Analisa-se a impetração.
O fato, objeto da investigação criminal, aconteceu no ano de 2010, conforme esclarece a petição inicial deste pedido de habeas corpus. Naquela ocasião, segundo se extrai dos autos apensados, o ora paciente, então advogado dativo do réu E. F. de A., foi destituído da causa pelo então magistrado da 1ª Vara Criminal da Comarca de Suzano, sob a alegação de ter abandonado o recinto onde seria realizada audiência de instrução, debates e julgamento. Em razão disso, conforme razões do magistrado, teria havido perda de todo o trabalho para o deslocamento e escolta do réu que estava custodiado, bem como o comparecimento frustrado dos policiais militares arrolados como testemunhas, que deixaram suas funções de patrulhamento e segurança. A destituição do advogado no processo motivou representação deste ao seu órgão de classe, sob afirmativa de que o juiz violara prerrogativas profissionais do defensor. Ademais disso, o paciente protocolizou petição onde apresentou atestado de nutricionista, de que teria uma consulta no dia da citada audiência, fato este que, também, necessitaria ser apurado, no entendimento do juiz.
Assim, o magistrado ofereceu representação criminal contra o ora paciente, para apuração da ocorrência de eventuais crimes tipificados nos modelos fundamentais dos artigos, 138 e 139, estes combinados com o artigo 141, II, na forma do artigo 70, caput, todos do Código Penal, além do artigo 304, do mesmo diploma legal, em concurso material. Esta representação fundamentou a investigação criminal conduzida pelo digno promotor de justiça, ora apontado como coator, que ora se pretende seja trancada.
Examina-se a controvérsia.
A possibilidade de investigação criminal desenvolvida pelo Ministério Público tem motivado acesa controvérsia doutrinária e jurisprudencial. É fastigioso aduzir novos argumentos a essa polêmica, que não se resolve com singela interpretação literal de normas constitucionais ou, em complemento destas, do sistema legislado infraconstitucional. A inicial deste pedido, bem ainda a manifestação da Digna Procuradoria Geral de Justiça, desenvolveram ambas longas considerações acerca da questão, sempre com apoio em respeitáveis doutrinas e não menos reverenciáveis acórdãos desta Corte e dos Tribunais Superiores.
Entretanto, é de se observar que o Supremo Tribunal Federal, embora não tenha pacificado o tema, com decisão do Egrégio Plenário acerca da constitucionalidade dessas investigações, tem admitido em diversos pronunciamentos a possibilidade de que o Ministério Público possa exercer atos dessa natureza.
Assim, o HC 91.661, relatado pela Ministra Ellen Gracie (DJe de 3.4.2009), onde se estabeleceu a possibilidade de o Ministério Público colher elementos de prova que demonstrem autoria e materialidade de determinado crime, salientando:
“Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. O artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, atribuiao parquet a privatividade da promoção da ação penal pública. De seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. Ora, é princípio basilar de hermenêutica constitucional e dos “poderes implícitos” segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim promoção da ação penal pública foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia. Cabe ressaltar que os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público”.
Mais recentemente, no HC 93.930/RJ, relator o Ministro Gilmar Mendes (DJe nº 22, pub. 3.2.2011, Ementário nº 2456-01), dispôs no mesmo sentido. Em longo e erudito voto que direcionou o acórdão, o relator concluiu pela possibilidade constitucional de o Ministério Público realizar investigações, contudo, ali dispôs uma ressalva:
“Considere-se, ainda, que a investigação criminal exercida pelo Ministério Público não se consubstancia como uma regra geral. Melhor seria dizê-la confortada no plano da necessidade circunstancial. No mais das vezes, seu desenvolvimento decorre ou da inconveniência casuística da instauração de um procedimento amplo como o inquérito policial ou mesmo da omissão da Polícia na investigação de determinados delitos, notadamente quando envolvidos agentes policiais”.
Nesse sentido, é relevante a ressalva da Digna Procuradoria Geral de Justiça (fl. 160) ao oficiar neste habeas corpus:
“Inicialmente, chama um pouco atenção o interesse do promotor de justiça em instaurar procedimento investigatório pelo Ministério Público em disputa entre advogado e juiz, com ataques mútuos por origem processual, “fogo de encontro”, quandopoderia (até deveria) encaminhar a representação para apuração pela autoridade policial”.
Se o fato que motivou a investigação pelo Ministério Público não envolve como investigado algum agente político que pudesse influenciar no resultado das diligências, ou, não se desenvolvendo contra omissão policial mormente quando se investiga fatos causados por policiais, civis ou militares ou, ainda, inexistindo particular necessidade de envolvimento do Ministério Público para suprir deficiências da investigação criminal realizada pela Polícia Judiciária, não haverá justo motivo para que se excepcione a necessidade de inquérito policial.
Não se cuida, aqui, de se dispor sobre a ilicitude de provas obtidas de outro modo, em investigação feita pelo órgão do Ministério Público. A licitude é possível, desde que não violado algum direito fundamental do cidadão na atividade investigatória, cabendo analisar cada caso onde a questão se ponha, devendo a investigação revestir-se das mesmas garantias postas em favor do investigado, aplicáveis ao inquérito policial.
Contudo, é de se reconhecer a impossibilidade de prosseguir investigação do Ministério Público, quando não se verificar como nestes autos a excepcionalidade dos fatos que a motivam. Não deve cada gabinete de promotor de justiça ser substituto ordinário de delegacias de polícia. Também não há conveniência em se erigir promotores ou procuradores de justiça em superpoliciais. A regra deve ser o inquérito policial, a exceção será ditada pela necessidade justificada, a partir de especial conveniência do procedimento investigatório que, de outro modo, poderia resultar em omissão na colheita de provas.
Nestes autos, quando o juiz representou por eventual ofensa do advogado contra sua honra, ou por suspeita de crime de falsidade ideológica, sendo investigado pessoa que não teria, ao menos em tese, condição de interferir na colheita de provas, ou motivar omissão do condutor do inquérito, não há justo motivo para a investigação do Ministério Público.
Assim, a existência injustificada desta investigação configura constrangimento ilegal, devendo ser obstada por via deste pedido de habeas corpus.
Entretanto, a pretensão dos impetrantes não foi além do trancamento da investigação realizada pelo Ministério Público. Não se atacou a possibilidade de que ela se realizasse pela via ordinária do inquérito policial e, ademais disso, sequer há provas que pudessem ser avaliadas de plano, para se decidir sobre a justa causa para apuração dos eventuais delitos apontados na representação do juiz.
Assim, em face desses motivos, defere-se a ordem para trancamento da investigação realizada pelo promotor de justiça, oriunda da representação criminal 148/10 da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Suzano, devendo ser, unicamente o instrumento daquela representação, encaminhado ao delegado de polícia, para que este conduza o inquérito policial.
Figueiredo Gonçalves
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